Por vezes, embrenha-se de tal forma na sua mente, que se esquece de olhar, até mesmo dos olhos.

A cor do assunto

Quero contar uma história

Ontem vi uma rapariga com um olhar impenetrável. Acho que usava saltos. Mas notava-se o quanto tremia. Ainda se notava, e ainda bem.
Nós temos medo. Depois há a personagem segura, as roupas intimidantes. Tudo porque temos medo. Ela tremia porque ainda não tinha personagem, ainda estava em construção. E ainda bem. O tremelicar simboliza a consciência, o anjinho que nos sussurra ao ouvido do coração.
A Humanidade enquanto bebé precisava de uma mãe bem forte. Chamava-se Natureza. A menina sempre foi um bebé chorão e chato, mas tão bonita que a mãe não lhe resistia. E foi lhe dando tudo o que a Humanidade precisava. A criança foi crescendo bem espontânea. Ai, a miúda era muito traquinas! Mas era tudo por inconsciência. Ela sabia aproveitar o que a mãezinha lhe dava. A curiosidade levava-a longe. A Humanidade era muito espertinha, sempre descobrindo coisas. Por vezes eram descobertas tão estrondosas que nem sabia o que fazer com elas, desorientava-se um pouco. A mãe tentava ajudar. Mas a típica rebeldia da adolescência também estava presente no carácter da Humanidade. Então, não aceitava ajuda e preferia ser independente, o que a fez sofrer muito. No entanto, vinham muitas borboletas brancas pousar nela e ela sorria. Era uma foliona! Tudo era motivo para festa. A alegria da Humanidade era uma constante. E ela foi crescendo e, inteligente que era, foi entendendo o que as borboletas queriam dizer. Ela esquecia-se das consequências. A Humanidade, apesar de ser uma miúda de iniciativa, era muito inexperiente e não prestava atenção ao que a mãe dizia, tão subtilmente. Tornava-se arrogante, até. E ia-se tornando assim, pela confiança que a inteligência lhe dava.
A Humanidade era contraditória. Tinha aspextos que se misturavam de uma forma pouco comum. E isso era bom. Esses aspectos entrelaçavam-se cada vez mais. Era como se, inconscientemente, ela se quisesse tornar mais homogénea. E, assim, meio arrogante meio eclética, foi ficando adulta. A racionalidade começava a ganhar destaque nela. Ela era agora uma mulher disposta a corrigir o que não gostava em si. Havia o lado mais natural, mais puro; mas também o seu lado mais comodista, mais mal-habituado, mais rico. E ia tentando mudar, ainda vaidosa, ainda relutante, daí o seu andar transparecer o tremelicar interior. Ela sentia-se um pouco envergonhada e, por isso, gostava de se mascarar, para parecer segura e óptima. Era orgulhosa. E esse seu lado era a sua protecção. A sua mãe desistira já da subtileza e era agora clara. A filha via a mãe, entendia o que ela dizia, percebia o que ela mostrava. Mas a Humanidade continuava matreira e tinha lá os seus objectivos. Havia dias em que se esquecia do que a mãe mostrava e voltava a não fazer da melhor maneira. Havia outros em que a vontade de mudar era tanta que se esforçava realmente. E o seu tempo de adulta foi sendo vivido, ora consciente ora tola. E dentro da Humanidade, havia este braço de ferro entre o que de mais contraditório pode existir. Está na hora de ceder, de mimar as borboletas.

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