Por vezes, embrenha-se de tal forma na sua mente, que se esquece de olhar, até mesmo dos olhos.

A cor do assunto

O tempo

Um dos maiores enigmas, para mim. Lembro-me de ser pequenina e perguntar à minha mãe como é que eu sabia quando passavam cinco minutos. Ela respondia uma coisa que pouco me ajudava, porque já não me lembro.
E as pessoas dizem. As pessoas falam do tempo que lhes voa. As pessoas sentem que lhe estão a sugar a oportunidade de viver. As pessoas dizem que o há muito passado aconteceu ontem. E as pessoas dizem tanto que até discutem porque têm cismas. E cismam tanto que apetece bater àquilo que lhes deu a certeza de que estão certas. E aquilo é o tempo, pah. Mas não se pode culpar.
As pessoas dizem e não pensam. Porquê que agora quando estamos a cantar avançamos sempre na letra? Porquê que agora excedemos o limite de velocidade nas estradas mesmo quando não temos pressa? Porquê que comemos em 15 minutos, tendo 2 horas de almoço? Porquê que escrevemos as mensagens o mais rapidamente possível, não sendo nada urgente? Porquê que os nossos pais começam a dizer asneiras e ficam hiper chateados quando as tecnologias lhes dão a volta e demoram mais de meio minuto a fazer uma coisinha? Porquê que há tanta pressa?
Acho que são as prioridades. Não existem. Adeus, qualidade. Olá números. Adeus, Miguel. Olá 120.
Talvez esta nossa ânsia de aproveitar o tempo ao máximo e desperdiçar o menos possível em coisas chatas, mas essenciais, talvez o nosso pensamento estar tantas vezes focado no tempo que gastamos o diminua. Talvez a energia criada por tantas mentes que tanto pensam no tempo o faça encolher. Acredito na coisa do pensamento. Acredito que ele é quase tudo. Às vezes, basta-me pensar para algo acontecer. E realmente, acho que as nossas ideias determinam, de certa forma, o que acontece. É, por isso, que acho que se não nos preocupássemos tanto com o tempo, ele permaneceria intacto. Assim, sendo tantas vezes impelido pela energia do nosso pensamento, ele chateia-se.

Já ninguém descobre nada.

Já ninguém descobre nada. Está tudo muito feito. Já nascemos com um mapa mundo à frente. O mapa que nos é tão natural que nunca o contestamos porque já alguém o fez e nos disse a razão de ele ser assim. Já nascemos sabendo que se come com um garfo e uma faca. Já nascemos achando que boa vida é não trabalhar. Já nascemos sabendo que temos de usar roupas. Já nascemos sabendo que o carro é essencial para irmos ali. Já nascemos sabendo que o fim-de-semana é para descansar. Já nascemos sabendo que um dia vamos ter filhos.
É como se alguém tivesse construído este modelo de vida e, até hoje, esse alguém ainda não tivesse reencarnado para o tornar menos feio.
Olhamos em redor, e vemos coisas feias: máquinas malcheirosas (carros, note-se) a serem-nos mais importantes que um amigo, edifícios tão feios e toda aquela matéria chata. Aquela matéria que nos enfeia tanto. A matéria que nos serve de esconderijo para a nossa alma. Queremos mascará-la porque achamo-la vergonhosa, porque a sabemos vergonhosa. E seria tão bonito mostrarmos a nossa vergonhosa alma sem nos envergonharmos desse acto... Seria tão bonito e tão menos duro.
Já nascemos dentro de caixas. Mas elas não nos impedem do que quer que seja. Elas só nos impelem, ligeiramente, para dentro da matéria. Mas, nós, como almas, temos toda a capacidade para sairmos dela. Já nascemos pesados e pouco alma. Por isso, quando descobrimos que o somos, negamo-lo como os gatos arranham o seu reflexo no espelho. E depois desta descoberta, ela não se cala e faz barulho. Se não a negássemos , ela musicava.