Por vezes, embrenha-se de tal forma na sua mente, que se esquece de olhar, até mesmo dos olhos.

A cor do assunto

Cheira mal. É muito raro cheirar-me mal. Como a minha mãe diz, o meu nariz é selectivo, o esperto. Mas às vezes trama-me. Cheira mal e não sei de onde vem. Cheira mal e isto apoquenta-me. É intrigante não saber o que cheira mal, se calhar é aqui dentro. Aqui dentro? Ai, aqui dentro. O que estará podre? O coração ou as mãos? Tenho mais medo de perder as mãos. Tolice, a minha. Este medo que cheira mal. Preferia que não fosse a única a sentir este odor. E as minhas manas e a minha mãe têm um olfacto tão apurado! E só eu sinto. Ai, que me apodreço.
Mas pelo menos apodrecendo ainda me sinto. Melhor sentir, mesmo que cheirando mal.
A insensibilidade pica-me e dói mais que o cheiro.
É Natal e hoje vivemos um belo dia de Sol. É Natal e ainda nos abraçamos e somos sinceros e queridos. Pena não evitarmos as ofensas.
Amor cá do fundo

A chuvinha suave

Hoje choveu como se nevasse. Umas gotinhas dentro de flocos de neve pequeninos pequeninos.
Era uma chuva diferente. Tem sido uma chuva diferente.
Dá-me a sensação de que estou dentro de qualquer coisa sempre a mudar, sempre a mudar. E estou, mas foi a chuvinha que me fez sentir isso. Senti-me tão livre! Sentia-a na cara e não fazia doer. Era um presente.
E saltar nas pocinhas. E saltar em cima de montes de folhas caídas.
Co-autoria de Beatriz Costa
(Este é centésimo post. Parabéns, leitores.)

Let it be

Os olhinhos sorriem descaradamente e o coração dança como louco. A alma enche-se e musica. E assim vai, deixando-se ser, deixando ser. Mas nem sempre, porque há momentos em que gira sobre si mesma, desgrenha-se e berra.
A sensibilidade cresce e os gestos da outra alma tornam-se enormes. O arrependimento vem fácil, mas a satisfação compensa. E a alma fica meio estranha, sempre tentando pensar em vez de sentir. Ah, mas ele amolece-a, aconchega-a de tal forma que ela não se mexe, apenas sente e deixa-se ser. E passado um tempinho, logo vem o desgrenhanço. E é aí quem vem a Mãe Maria sussurando palavras sábias. Seja ela quem for. Depois de erguida, a alma pensa. Pensa demasiado, nem se redime tão facilmente. Não entende a sabedoria das palavras. Vai vivendo e só depois de alguns momentos, olhando para si, vislumbra a música. Ouve agora as palavras. É então aí que se deixa sentir. E compreende que deixar-se ser é deixar-se sentir, que se lixe a razão, ela aqui não existe. Volta a deixar-se encher e volta a musicar, no entanto, agora, não se desgrenha. Agora chora um pouquinho. Mas volta num instante, até repousar em si e nele.
Assim vai amando.