Por vezes, embrenha-se de tal forma na sua mente, que se esquece de olhar, até mesmo dos olhos.

A cor do assunto

certo

Ai, os hábitos trazem-nos aquela segurança sossegada. No entanto, os hábitos também nos apoquentam, naquela sua rotina que até faz adormecer. Desassossegam por sossegarem tanto. E trazem aquele radical desejo de mudar de vida. Viagem, mudança de look, reconstrução de ideais, agitação provocada, experiências novas. Sobre estas mudanças todas, vendo objectivamente, trocamos a rotina, mas não deixamos de ter uma. É aqui que está, é essencial a nós, pessoas, assentar nalgum meio, em alguma outra pessoa ou em nós mesmos, mas assentar. Precisamos que algo nos prenda, ou que nós próprios nos agarremos. Aliás, não é assentar é essencial a nós, pessoas; assentar é aquilo que faz com que sejamos uma pessoa, uma única pessoa. E não várias. Assentar é criar laços. E os laços carecem de tempo, o tempo das relações não das horas, para se formar e cimentar.
Os hábitos agarram-nos a uma vida dentro da qual variamos. E, sem uma rotina, não seríamos capazes de nos movimentarmos em nós próprios. É aí que os hábitos, tantas vezes irritantes, nos ajudam a viver, nos dão espaço para reflectir.

Porquê que a perfeição não há-de existir?


É uma ideia. É geral. Ninguém a consegue definir, mas algures no nosso cérebro, ela está lá, bem concreta. O infinito, o universo. Todos conceitos vulgarmente usados. Definições definições? Não conseguimos. Não dá. Mas tentem que é giro. E as coisas existem. E nós sabemos disso. Vivemos sobre elas.


A vida aqui em baixo é uma oportunidade. E, para mim, o seu sentido é evoluir. A morte que se lixe, porque somos eternos. Deus não ia desperdiçar recursos e imaginação para depois cairmos e deixarmos de existir, né? Portanto, acredito que depois de aqui em baixo, continuamos a aprender mais. E vamos progredindo.


Já entendi: deixarmo-nos receber também é dar. E dar é também deixar que os outros dêem!
Não é nada egoísta, dar é mimar o universo, é contribuir para a sua evolução. É amar.

Andar à chuva

Era fininha, delicada, cheia de vontade de dar. Mas as pessoas assustavam-se. Todas se cobriam e corriam naquele passo tão medroso. Ela não era assustadora. Aliás, ela tocava e ficava ali a refrescar tão suavemente. Umas gotas desfaziam-se ao tocar a minha mão, tornando-a calma e bonitinha. Havia outras que permaneciam originais, perfeitinhas. Agudas, tão agudas eram elas: daí o susto. No entanto, era o entusiasmo em dar um pouquinho de água, era o entusiasmo de poder renovar sem constipar quem fosse. Oh, as pessoas fugiam. Tola, abria os braços e olhava para o céu agradecendo aquele mimo. Desdenhando, ria e desenrolavam-se dentro da mente juízos que viam Tola ridícula. A chuva ofereceu e ficou triste pela pequenina receptividade. Mas não se viu tristeza em quem não recebeu. E isto impele para tanto: quem dá satisfaz-se melhor que quem recebe.
Hoje vi um famoso clip no youtube "prova de amor" e pousei nele, cogitando. Ela sofreu, ela ficou atada naquele nó de culpa involuntária simultaneada por gratidão culpada. Ele foi transbordando de alegria, quão bom tinha sido, a perda ainda o tornava mais forte. Isto gera uma tempestade cá dentro que me faz sentir que é egoísta dar, e generoso deixar-se receber. Oh, que estranheza de pensamento.

Os olhos da minha gata

No outro dia, olhei e vi os seus olhos. Estava ali o animal. Estava ali o selvagem. Não reconheci a minha gata ali, não tinha como. Aqueles não eram os olhos da minha gata. Aquele olhar empurrou-me e eu caí entendendo que a minha gata não existe ali naquele olhar, não existe ali naquele ser. A minha gata está dentro de mim. Caí de forma tão brusca! E fui rastejando. Rastejava e escorregava no meu sangue, porque a queda provocou ferida. Parei, machucava-me aquele movimento evasivo. No entanto, fuga maior foi parar.

Sossegada, não olhava. Mexendo-me desfazia o que recebo. Preferi a quietude sorridente do que olhar para aquele exterior que, a cada pequeno movimento, me berrava que o sentimento é esquecido.

Miss the youth/ Miss the city/ Have no regret/ Have no pitty...