Por vezes, embrenha-se de tal forma na sua mente, que se esquece de olhar, até mesmo dos olhos.

A cor do assunto

Quem será o mágico que silencia o mundo? É estranho, que truque tão subtil. É que há tanto movimento e mesmo assim, é possível ouvir o mais puro silêncio. Como? Quem é o mágico, quem é? Que é bom, é. Porque podemos fechar os olhos mas os ouvidos não, então ele encarrega-se de calar o mundo. No entanto, nunca me senti ser calada. Parece que agarra no som e leva-o para onde quer chegar. E o resto do mundo não precisa de o ouvir. É incrível, este mágico. Eu imagino o que seria ouvir sempre tudo o que se passa. Caótico. A música onde caberia?
Gosto do mágico. Onde está ele? Será o silêncio a combinação de sons longínquos que ele agarra e encolhe?
Na cama, começo a escutar o silêncio, era o som dos meus ouvidos. Ouvia os meus ouvidos a emitir o silêncio. Não havia ali som que o mágico pudesse agarrar. Mas eu ouvia, tão nitidamente. O som parecia vir de dentro de mim. Escutava-me a mim.

O silêncio é magia.

os sentidos

Os sentidos. Os sentidos são uma dádiva.
No outro dia, depois de regar a horta, agachei-me e escutei a terra a absorver a água. Vi, apalpei. Cheirei, sentia-se tão bem aquele aroma a terra molhada. Lembrava os dias em que só se sente esse cheiro, só se vê tudo molhado mas ninguém sabe quando choveu.
Os sentidos são uma dádiva.
Os nossos sentidos não se desligam, estão sempre ali ligados. Escolher o que queremos receber é lixado. E, na maioria das vezes, não escolhemos e deixamos que nos entre o que for. Deixamos deixamos deixamos... E os nossos sentidos às vezes até se irritam com isso, mas só filtram quando queremos. Escolher o que nos entra é transformarmo-nos no que somos. Devíamos ser mais activos na nossa própria educação.
Os sentidos são o que nos liga ao exterior. E têm duas mãos. Pena deixarmos vir mais do que vai.

Confundimos calma com tristeza.
Hoje li que a música rápida é associada à alegria e que a música calma é associada à tristeza. Fiquei atónita. NUNCA tinha pensado nisto. E toda a gente fazia cara feia quando falava de música cujo ritmo era lento, mas nunca tinha olhado para a música dessa forma, via tudo o resto, menos isso. Adjectivava a música de tanto, mas nunca de calma. Todos fogem do que parece não ter batida. Talvez medo.
Um andar calmo revela serenidade, um andar calmo revela desmotivação: ambos. No entanto, o convencional é pensar que a calma entristece, torna nostálgico, entedia até. Ai, a música cujo ritmo nem se sente é a música rápida com um ritmo ainda mais rápido e por isso não se sente. É como quando algo gira muito rápido: deixa de se ver. Existe sim a melodia que nos empurra para cairmos, mas é que a outra não é nada disso. Nomeamos muito e sabemos pouco. Acabamos por baralhar as coisas.
Cá para mim a lentidão é serenidade.

É tudo uma questão de ponto de vista


Estou aqui, sentadinha a escrever. O Sol lá fora sabe-me melhor que qualquer outra coisa. A quem trabalha na vigilância da floresta, sabe mal porque assim não há maneira de se esquivarem ao trabalho. A quem está na praia, é demais porque a areia escalda. A quem trabalha fechado na fábrica, é indiferente. A quem trabalha sem ar condicionado mas com janelas, o Sol é um chato.

Um exemplo tão banal como este ilustra muito bem que algo, sendo sempre o mesmo, nas mentes das pessoas torna-se em milhões de outras coisas. Porque não olhamos para o que existe, olhamos para o significado do que existe. Antes sequer de observar o que é, as sensações que nos chegam afastam-nos da essência do que ali está. Isto é o que nos vai empurrando para longe da realidade. Que raio de mania de atribuir significado a tudo! É que depois no cérebro as ligações feitas por pouco observar o que existe desencadeiam emoções. E, muitas vezes, a única forma de começarmos a levar a vida como vida é mudarmos essas ligações e deixarmos de transformar chuva em mal-estar, o pai em irritação, o estudo em tédio. Já que não vemos a realidade, que a sintamos positiva.

Esta questão conduz a indagar que valor tem, assim, a essência das coisas se ninguém a vê.

E assim tudo parece relativo. No entanto, acredito no valor absoluto do que existe, só ainda não o alcancei. Aos poucos, vamos evoluindo e entendendo a essência da vida. É uma longa senda na qual vamos indo, tão impacientes. Ainda nos temos de contentar com os nossos próprios significados.

Que se lixe quem tem razão, isso não existe. É tudo uma questão de ponto de vista.

Postes e árvores




Postes, demasiado postes. Para tudo levantam um poste.



Estes postes hoje causaram aqui uma coisa dentro... E aqui posto sobre postes.





Caiu-me algo em cima

A morte não sei bem o que é, pensava que sabia.
Não quero saber
Mas sei que nos aperta, parece que nos quer encolher
Mas não sabe como o fazer,
parece que parte aqui coisas dentro

É exterior a nós mas não parece
porque está aqui tão interior
tão capaz
tão forte
e tão inoportuna

dói-nos,
mas dói mais sentir a dor daqueles a quem dói mais
dói não poder arrancar essa dor
dói ter de esperar
dói não estar lá
dói estarem tão longe e o que me chega é só a sua dor
só a sua dor
não me chega conforto, mesmo que falem com calma

Aqui o céu mantém-se-me misterioso,
não me quer contar nada