Por vezes, embrenha-se de tal forma na sua mente, que se esquece de olhar, até mesmo dos olhos.

A cor do assunto

Ouço o feito há uns bons anos. Agrada-me. Não me leva, não me puxa, não me pressiona. Está aqui, uma presença confortável, forte. Mas não me pressiona. Ofereceu-me colo e eu aceitei, contente como uma criança.

E embalada por esta música, apetece escrever pensando pouco: a cabeça quer cair, rebolar e desaparecer. A cabeça quer mesmo e chora por isso. E isso pesa-me e dói.

E pressionada pela cabeça, embalada pela música, quero nada, nem que a cabeça pare de chorar. Nem sorrir. Pura preguiça, ou desânimo. Ou desânimo. O colo agrada, agrada. O exterior não me tem sorrido muito. Com excepção da música que me embala. Não me tem sorrido nem eu quero. Quero nada. Não me tiraram, eu não me tirei o que quer que seja: que aconteceu? A cabeça berra, birra. Feio, é tudo tão feio. Sou tudo tão feio.

Sinto falta da liberdade de não cair. Da liberdade de querer algo.

Embala-me tão bem, tão bem que o sorriso já é de amor. A música também é Deus.

Agora chegaram coisinhas bonitas. Fortes, bem fortes! Não são agudas, são estranhas e devem vir de um buraco negro que nos quer lá.

Deus, amor: basta para descrever a cura.

Agradecida pelo colo, pah.

Teoria do Caos

O bater de asas de uma borboleta num lugar pode desencadear um tufão no outro lado do mundo. Fui tão certa ao dizê-lo. Já tinha construído tanto em volta, por baixo até. E sinto-me tão certa ao pensá-lo.
Antes tinha questionado. O nome é um tanto-quanto apocalíptico, a ideia também. No entanto, parecia-me tão verdade, sempre me pareceu tão verdade que comecei a observar para comprovar. Comecei a olhar as reacções, os efeitos das acções, das causas. Leis, muitas leis, muitos nomes. A ideia acaba por ser a mesma. E só pela observação, pela experiência, é que percebi a razão da minha certeza. Não é só o bater de asas, é o bater de asas em certo contexto. A observação tornou isto óbvio: aquela palavra que disse sem pensar deu aso a uma confusão de todo o tamanho; a subida de um grau celsio desiquibra isto tudo; o meu aplaudir provoca o aplauso de uma plateia enorme, o que vai causar uma emoção tal nos actores que os vai motivar a continuar, a progredir. Fiquei mais descansada por não ser arrogância. Deve ter sido uma associação inconsciente, já fazia parte.
E não te consegui explicar isto. Desculpa, porque isto sim, foi arrogância.

Deus

Por mais que viajemos, o nosso horizonte é sempre uma linha recta. E todos nós acreditamos que a Terra é uma esfera um pouco achatada nos pólos, pronto, uma esfera aldrabada. E acreditamos nisto porque Fernão de Magalhães o provou e isto tornou-se algo indubitável. Mas o horizonte continua a ser uma linha recta.
E agora: Deus existe?
A ideia de Deus parece uma ideia cómoda. Ele criou-nos e se somos burros, foi ele que assim nos fez. Se existe fome, é porque ele quer e assim por diante.
Eu não concordo com o conceito de Deus que nos torna acomodados. Sinto que Deus é energia, não tem vontade, é uma entidade perfeita. Acho que tudo sempre existiu e não haverá fim, macroscópicamente. No microcosmos, aí sim, penso que houve criação e foi Deus o seu autor. E a nossa galáxia é o microcosmos, pah. É incrível, mas é (as estrelas são muitas!).
A Natureza autoregenera-se. A Natureza é perfeita. Temos o livre arbítrio e consciência: Deus não é responsável por nós. Deus inspira-nos. E se não fugirmos à nossa alma, somos felizes. Não vejo Deus, mas vejo a perfeição de tudo, vejo a inteligência tão máxima que nos permitiu nascer (a possibilidade de estarmos vivos é um conjunto de coisinhas que, não me digam por acaso, estão na medida certa: qualquer alteração, mínima, impediria a nossa vida).
Não vejo uma linha recta, vejo maravilhas, maravilhas.