Por vezes, embrenha-se de tal forma na sua mente, que se esquece de olhar, até mesmo dos olhos.

A cor do assunto

Papá, papá

- Papá, papá, o que é o sonho?

- O que achas que é, filho?

- Ouvi dizer que as crianças deviam ter muitos. E que ninguém nos devia tirar os sonhos. São doces, papá?

- É isso mesmo, são doces.

- Então mas tu dizes-me sempre que só devo comer doces de vez em quando!

- Sim, é verdade, só deves comer doces de vez em quando, mas isso não te impede de teres muitos.

- Mas os doces não são para comer?

- Os sonhos são uns doces diferentes. Deves mantê-los sempre contigo, mas só comes um de tempos a tempos.

-Porquê?

- É que depois de comeres, o sonho desaparece e cada sonho é especial, não é só um doce.

- Então o sonho é um doce para o coração, pai?

- Sim. Antes de o comeres, ele está lá no coração, depois vai-se embora. Mas tem validade. Por isso, tens sempre de o comer. É um doce manhoso.

- Ó pai, então eu não quero sonhos!

- Olha aqui, já estás cheio de sonhos!

- Então vou deixá-los no meu coração. Depois vejo isso da validade. Que achas, pai?

- Seguirei o teu exemplo, filho.

Entramos dentro das pessoas. As pessoas entram dentro de nós. Não dá para arrancar. E ainda bem, apesar do perigo.

Oasis

Entra-me pelos ouvidos e instala-se no conforto do meu íntimo. Leva-me a tempos já passados. A voz é-me tão familiar, já fazem tão parte de mim.
Recordo-me de ser pequena e ter na mão os cds e parecerem-me todos iguais: as capas tinham lá as suas semelhanças. Não tinha ainda capacidade de associar essas coisas à música, mas recordo-me de ouvir e gostar, apesar de ainda não perceber muito bem o que diziam. Não distinguia umas músicas das outras: mas reconhecia-os se eram eles que tocavam na aparelhagem das minhas irmãs. E naquele rádio, enorme, da Sony. Lembro-me tão bem. Não tinha consciência nenhuma do que era estar a ouvir aquilo, nem era eu que os punha a dar. As minhas irmãs punham a música e aquilo ia entrando em mim.
Ouvi-los hoje traz-me aconchego. Com tudo isto que muda, ainda há alguma coisa que permanece dos meus tempos de pequena. É óptimo sentir isto. Não mudei muito quanto à capacidade de associação. No entanto, agora aprecio melhor. Pode ser mais do mesmo, mas é um mesmo que me dá gozo. Esta mesma música. E o que me apraz mais é isso, é ter ficado.