Por vezes, embrenha-se de tal forma na sua mente, que se esquece de olhar, até mesmo dos olhos.

A cor do assunto

instinto

Menosprezamos o nosso instinto. É algo complicado distinguir o que é instinto. Mas o que é certo é que Deus ainda nos deixou um pouco para não nos perdermos tanto.
Instinto, aquela sensação injustificada que descartamos, por vezes. Pode ser impressão. O que é verdade é que somos nós a entender o que não está ali evidente.
Há uns tempos, não simpatizei nada com uma pessoa, ignorei e agora desilusão.
Porra, somos inteligentes como tudo, sabermos discernir sobre questões abstractas. No entanto, não queremos aplicar a genialidade nestas coisas de compreender o que é genuíno instinto e o que não é. E até pensamos demais em assuntos que se resolvem por si só. Temos tudo e esquecemo-nos tanto disso, tanto.

Águas de Março

Tornar uma lista de nomes, aborrecidos, em algo maravilhoso que fica no ouvido, que nos faz sorrir e apetecer ficar ali a balançar na melodia: isso é que é ser artista. E ver, ver aquelas mãos, servindo de porta-voz do coração, movendo-se tão delicadamente. As mãos agarrando-nos, as mãos musicando também elas. Ver, fechar os olhos e continuar a ver aquela imagem mais que imagem. Aquela imagem cheia de sensações que nos enche cá dentro de energias. Enche sem ocupar um espacinho que seja, libertando, aliás, espaço na nossa alma atulhada. Se não for isto a arte, não sei o que seja. Liberta-nos ao se libertar.
E os movimentos da boca que se notam na música, sem olhar para ela. O sorriso de satisfação ao cantar, o sentimento que se nota só de abrir ou não a palavra. E é tão verdade. A arte é o que há de mais verdadeiro, não se duvidam dos sentimentos.
É melhor, bem melhor olhar olhar indefinidamente.

No fundo todos esperamos que nos chamem à frente. Desertinhos.

São tantas as coisas a considerar que nunca chegamos a conclusão nenhuma.

não pelo que é

Espalharam-na por aí. Encheram as paredes e o ar com ela. Encheram-nos os sentidos com ela. Atiraram-na para a sarjeta disfarçada de outdoor. Ela sempre tão linda, tão apreciável. Ela é profunda. Oh, se paramos e a deixamos entrar em nós é fantástico. Só que encheram tanto tudo que criámos barreiras, criámos indiferença perante ela.

Como há muita por aí, deixou-se de saber o que é ela, o que ela é. Tornou-se uma companhia, tal qual como a televisão ligada em canais reles. Está lá e isso conforta, não pelo que é, pela sua presença. Sentimos quando liga e quando se desliga, mas não se aprecia nada do que se passa. E é tão triste, esta banalização. É como se tivéssemos sempre de mudar de vida porque por mais que gostemos dela, acostumamo-nos a ela e esquecemo-nos do que é, dos tempos em que sonhávamos com ela.

Encheram as ruas de cartazes todos iguais. O primeiro foi cuidadosamente pensado ao pormenor. Mas todos juntos dão vómitos. A música pode ter sido inspirada e sentida, só que a tocar o dia todo, quase se apaga a si própria. O edifício pode ter sido feito com minúcia e ter ficado bonito. No entanto, se se trabalha lá dentro todos os dias, ai que nem se olha...

A banalização mata a ela, a arte.

O Sol está atrás. A Lua à frente. E nós estamos aqui a fazer sombra à Lua. Que perfeição de alinhamento. Vou mas é ver isto.

nanocosmos

Que ansiedade é esta? Ai, um redor idílico, verdinho e bem vivo! Tão vivo que até me faz sentir vegetal. A relva é perfeita e, uns passos, e uma árvore grande dentro da era que nos vê todos os dias a estender os biquinis e as toalhas, que nos vê a vegetar. Mais uns passos e primaveras! As flores das primaveras físicas. Das primaveras que me tocam e me enfiam um cheiro cá dentro, tão aterrador de tão gostoso. Ansiedade bestial. Tudo me enfada, me irrita. A calmia exterior que, eu natural, seria apetecível, irresistível aliás, eu isto, é enjoativa. É um retrato de um pentaavô que vivia numa terriola remota que já nem existe. O exterior é um retrato morto de tão vivo e calmo. De tão perfeito. Só retratos, só retratos.