Por vezes, embrenha-se de tal forma na sua mente, que se esquece de olhar, até mesmo dos olhos.

A cor do assunto

De Mário Cesariny

Uma certa quantidade

Uma certa quantidade de gente à procura
de gente à procura duma certa quantidade

Soma:
uma paisagem extremamente à procura
o problema da luz (adrede ligado ao problema da vergonha)
e o problema do quarto-atelier-avião

Entretanto e justamente quando
já não eram precisos
apareceram os poetas à procura
e a querer multiplicar tudo por dez
má raça que eles têm
ou muito inteligentes ou muito estúpidos
pois uma e outra coisa eles são
Jesus Aristóteles Platão
abrem o mapa:
dói aqui
dói acolá

E resulta que também estes andavam à procura
duma certa quantidade de gente
que saía à procura mas por outras bandas
bandas que por seu turno também procuravam imenso
um jeito certo de andar à procura deles
visto todos buscarem quem andasse
incautamente por ali a procurar

Que susto se de repente alguém a sério encontrasse
que certo se esse alguém fosse um adolescente

como se é uma nuvem um atelier um astro

O preconceito não-preconceito .

O preconceito . As ideias pré-concebidas . O tirar conclusões, o formular opiniões, o julgar . São irreversíveis . Ouvimos a palavra e ridicularizamo-la . Vemos a imagem e pômo-la no lixo . Ouvimos o som e desligamos a fonte . Sentimos a textura e tiramos a mãos . Atitudes instintivas, irracionais, espontâneas . Irreversíveis ? São os dogmas inexoráveis . Lutamos contra, falamos contra, sentimos a favor . É o inconsciente . É a sociedade . Todos somos, poucas excepções . E se formos questionados sobre o preconceito, clarificamos logo que somos apologistas da liberdade em geral e que "gostos não se discutem" . Não falo apenas o preconceito referente à discriminação, mas daquele tão banal que se torna não preconceito . Aquelas ideias todas que nos passam pela cabeça sobre a pessoa que vai à Igreja ( ou que não vai ) . O Homem não foi à Lua ? A turma ri-se . A pessoa adora contar a sua vida no nick: cromo, coitado . Estes são juízos comuns de nós, civilizados .
Uma pessoa não é só uma característica, uma atitude ou um pensamento, é o produto da cultura . A pessoa é uma essência, um mix de aspectos interiores ou exteriores . É digno julgar a ideia, é inferior julgar a pessoa por uma ideia . Há muita coisa atrás da pessoa . Ninguém consegue impedir-se a si mesmo de emitir opiniões que a decrescem na nossa consideração .
Será que ao tocar no invisível possamos tornar reversíveis esta nossa percepção de que o nosso é o mais correcto ?

Pelo menos a luta contra fará ( esperamos nós ) diferença nas gerações vindouras . Apesar da palavra não ser a acção .

O que se encontra na janela de uma cidade grande .

Medo ? Só da morte . Deve ser mais ou menos esta a sua resposta ao serem questionados sobre o provável medo sentido estando lá no alto, martelando . Lá em cima . Eles . Em cima de tábuas . Quase soltas . Colocando cimento por cima de uns materiais algo complexos . Porra, coragem não lhes deve faltar ! Doidos: digo eu . Flexíveis: o facto . O adaptar à altura, ao ruído, às pragas rogadas pelos vizinhos a cujos ouvidos chegam as máquinas com que trabalham, ao menosprezo, ao tédio simultaneado com o ter de ser rápido e atento . Doidos e flexíveis .
Responsabilidade ! A responsabilidade de trabalhar materiais que servirão de casa para o McHitler ou para a Madre Wa Teresa Shiang . Estão limitados a uns 30 metros quadrados, apoiam-se em coisas enferrujadas (que vice-reinam enquanto esperam os futuros pilares) . Andam para cá e para lá no alto daquele prédio .
Responsabilidade de novo . A descontracção fenomenal com que fazem grandiosas obras é intrigante: experiência ou inconsciência ou banalidade/esquecimento ? Talvez um pouco de tudo . Observá-los é, na verdade, engraçado e interessante . Lá, são broeiros decadentes , pouco trabalhadores e "Ó grossa !" é a frase mais dita . Aqui, só os vi "à bulha" como cachopos no topo de um edifício muito inacabado . Um grande encargo em cima e muitos metros de altura embaixo, estão entalados .
Um bem haja aos construtores civis !